domingo, 14 de junho de 2009

A queda do império

Vocês notaram que o modo imperativo está quase virando peça de museu?

Na língua oral, soa como um papiro cheio de poeira que nos dá alergia só de tocar. Na escrita, ainda que ela resista, quando o imperativo aparece nossa memória dá um jeito de tachar de arcaico o que acabamos de ler.

O fato é que as pessoas estão dando ordens de outra forma. Não usam mais o imperativo.

Não tem muito tempo, diríamos: "Meu filho, passa no supermercado e traze meia dúzia de ovos".

Algo errado? Não, conjugamos o passar e o trazer no imperativo, respeitando a segunda pessoa, o tu.

Vocês lembram? Há uma fórmula para conjugar o imperativo. A regra número um: sabe-se lá por que, a língua portuguesa não admite que a pessoa se mande. Logo, a conjugação parte do tu. Depois, no lugar do ele, vem um você, porque se pressupõe que o ordenado tem de estar na sua frente, e um ele não garante essa 'presença'.

Há o afirmativo e o negativo. Este é mole: basta importar todas as formas do presente do subjuntivo - outro modo verbal que anda preterido. A coisa fica só um pouquinho mais complicada no presente do imperativo. A segunda pessoa vem do presente do indicativo, mas sem o s. Complicado?

Se dizemos eu ando, tu andas, ele anda, no imperativo teremos anda tu. É o andas sem o s.

As demais pessoas copiam do presente do subjuntivo, tal como o negativo.

Vamos a um exemplo prático?

Verbo correr: Eu corro, tu corres, ele corre; nós corremos, vós correis, eles correm. Que eu corra, que tu corras, que ele corra; que nós corramos, que vós corrais (ui!), que eles corram. Vejam que destaquei o que usaremos na montagem do imperativo afirmativo. Então, fica: corre tu, corra você, corramos nós, correi vós, corram vocês.

O não corrais vós, sozinho, é um argumentaço para derrubar o uso frequente do imperativo. É feio demais.

A discussão, porém, vai mais além. Do Sudeste para cima, pouco se usam o tu e o vós com a conjugação correta. Aliás, só o tu ainda resiste. Alguém aí fala vós sem ser na missa?

Até porque todo mundo aqui ouve - ou fala - tu vai, tu foi.

Se dois dos alicerces da conjugação verbal estão praticamente no chão, o imperativo cai junto.

Lembram da dúzia de ovos lá de cima? O passa (tu) talvez tenha passado despercebido, porque ele se confunde com o ele passa. O que cauza estranheza é o traze (tu). Vocês concordam que a frase mais comum seria Meu filho, passa no supermercado e traz meia dúzia de ovos?

Estamos, na prática, assistindo à queda do império. É no mínimo curioso, pois se trata de um maltrato à língua, que foi esculpida, montada, erguida assim. Se há hoje uma tida bizarrice como um não corrai vós, é porque nossa língua assim encontrou e assim se estabeleceu. Houve uma lógica, e deveríamos ser gratos a ela, por ser tão rica. Não é uma obra tosca, pelo contrário.

Mas sei que não há muito o que fazer contra esse golpe. Breve assistiremos ao 'Baile da Ilha Fiscal', na noite às vésperas da derrocada final do império.

2 comentários:

@GigiArteira (Desde 2010) disse...

Concordo com o que escreveu! Adorei seu blog. Parabéns.
Até me cadastrar em outro site desisti de perguntar..oh preguiça malvada, me perdoe fazê-lo por aqui...
Quando falamos: "Obrigada" ouço algumas vezes "por nada"... e outras "de nada", qual é a correta?
obrigada! (rs)

@GigiArteira (Desde 2010) disse...

Concordo com o que escreveu. Adorei seu blog. Parabéns!
Eduardo, tenho uma dúvida e desculpe-me tirá-la por aqui...(preguiça de se cadastrar no outro site, até lá já desisti de perguntar).
Quando agradecemos: " Obrigada", ouço algumas pessoas dizerem: "por nada" e outras "de nada", qual é a correta?
Obrigada (rs)!