segunda-feira, 7 de abril de 2008

O pesadelo

Este assunto foi um pedido da Gisele. Este post, então, é dedicado a ela.

Toda disciplina escolar tem a sua hora do pesadelo. É aquele assunto que desafia o mais obstinado CDF. Em Química, por exemplo, eu sofria nas delicadas e instáveis equações do cálculo estequiométrico. Na Matemática, penava nas contas da geometria analítica espacial.

Qual seria o pesadelo em Português? Acredito que haja outras dificuldades nas áreas mais específicas da matéria, mas no campo experimental, no dia-a-dia, arrisco a dar um palpite: é a flexão do infinitivo. Traduzindo:

Os estudantes fugiram para não ser ou serem presos?

Não há gramático nesta terra que crave uma regra. Os mais notáveis, como Gama Cury, Ernani Terra, Paschoal Cegalla, Pasquale e Sérgio Nogueira, concordam num ponto: depende do ouvido.

Quer dizer que vale tudo?

Não necessariamente. Casos cascudos como o exemplo acima são raríssimos, mas são comuns erros iguais a este:

A escola autorizou os alunos a viajarem para Minas Gerais.

O mesmo povo que prega a avaliação do ouvido (ou a eufonia) nos casos raros é taxativo em relação à frase acima: é errado, sim. Feio. Um deslize.

Vamos então tentar pôr fim a esse mar de dúvidas.

FICA NO SINGULAR...

1 - Quando o verbo é composto.

Reivindicamos estudar. Elas pretendem comprar a loja inteira!

2 - Quando o sujeito é o mesmo.

Eles recorreram à Justiça para derrubar a liminar. Nós não temos motivos de nos orgulhar.

3 - Quando o verbo complementa outro verbo, um substantivo ou um adjetivo, ou quando complementa uma voz passiva.

Todos têm permissão de entrar no templo. Nós nos arrepiamos com a emoção de ver o show. Os candidatos estão proibidos de levar celulares. Nós ficamos cansados de ouvir falar de tanta corrupção. Os grevistas desistiram de negociar e farão piquetes, mas a empresa autorizou os gestores a cortar o ponto dos manifestantes.

VAI PARA O PLURAL...

1 - Quando há sujeito próprio.

O professor permaneceu de olho, mas não viu os alunos colarem. Os pesquisadores garantiram serem nocivos os repelentes à base de cloro.

2 - Para evitar dúvidas.

O presidente convocou os minstros para (*) sobre as novas medidas. Falar ou falarem? Depende. Se quem vai falar é o presidente, fica no singular. Se são os ministros, é falarem.

Agora é que a porca torce o rabo.

3 - Quando é voz passiva com verbo de ligação.

Lembram-se do exemplo lá de cima?

Os estudantes fugiram para não ser ou serem presos?

Não tem bem uma regra. A coisa é muito subjetiva, depende demais da avaliação da frase. No exemplo acima, a noção de voz passiva tem de estar muito viva na cabeça da pessoa. Lembram? A polícia prendeu os estudantes. Os estudantes foram presos pela polícia. Até aí, tudo bem. O problema é identificar isso no meio da frase, com um infinitivo, ainda mais amparado pela premissa de que não há norma acerca disso.

Existe um efeito-caneca para isso. Basta desmembrar a frase com um que:

Os estudantes fugiram para que não fossem presos.

Vêem como aí a voz passiva brota como cogumelos depois de uma tempestade?

Os trabalhadores aprovaram as reivindicações para serem cobradas na próxima reunião.

A banca examinadora preparará neste fim de semana os testes para serem aplicados mês que vem.

Outra dica: quando o termo em dúvida não tiver um plural anterior, como foi o caso do último exemplo, o infinitivo vai para o plural.

O assunto é polêmico, os casos, raros; mas para mim o tema detém o título de mais espinhoso do idioma. Por isso, deve ser estudado e debatido.

Espero não ter cansado vocês.