segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A redação do Enem

Bacana, o Enem. Este ano foram 4 milhões de estudantes, um recorde. No Rio foram uns 250 mil inscritos. Gente para caramba.

O Enem, vocês sabem, é composto por 63 (?) questões de múltipla escolha que reúnem várias disciplinas. Há ainda a redação.

A nota do Enem não tem mistério algum. Primeiro você calcula a porcentagem de acertos da prova objetiva; depois, tira a média com a nota da redação.

Isso quer dizer que a redação vale metade da prova.

Mas uma coisa me chamou a atenção. O Globo deu, dias antes do exame, um exemplo de redação nota 10. Havia um ou outro errinho aqui e ali. Um era até de concordância. Outro exemplo de redação perfeita, disponível para consulta no site do Inep, mostra que o candidato não acentuou o têm na terceira pessoa do plural. 

O que prova uma transigência da banca do Enem. O candidato, então, não precisa ter um português perfeito para tirar 10.

Não gosto de ser purista. Eu mesmo já disse lá atrás que eu o era e fui obrigado a ceder, porque a língua não combina com fundamentalismos. Mas aqui cabe uma reflexão. Se a principal prova do Ensino Médio não exige um português perfeito, onde então ele seria obrigação? Em pegadinhas de concursos públicos?

Uma folheada na prova revela também que aquelas decorebas de antigamente estão praticamente banidas. O negócio é saber ler e interpretar. 

É uma tendência boa, mas ao mesmo tempo lança uma dúvida. Boa porque nossos alunos não sabem 'ler' e têm enorme dificuldade em captar o sentido das coisas. A dúvida é em relação à cobrança. Eu acho que as pessoas escrevem muito mal e errado. Se não há cobrança para consertar isso, ter um português perfeito vira um acessório?

De volta

Como vocês podem perceber, este blog hibernou.

E não houve uma razão aparente. Talvez eu tenha enjoado, talvez tenha dado um tempo para reciclar as idéias e descansar os dedos.

Não vou prometer uma Retomada, porque se parei uma vez, posso parar de novo.

Afinal, um blog deve ser, antes de tudo, um prazer. Se for um compromisso prazeroso, ótimo. Se não, cutucá-lo todo dia acaba abrindo a ferida.

Vamos ver até onde vamos...

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Qual a palavra mais difícil do Soletrando?

Aponto duas. Esfigmômetro e septifoliolado. À medida que os alunos vão matando as palavras, a banca é obrigada a elevar a dificuldade. Chega um momento em que S, Z, X, SC e CH não derrubam mais ninguém, e o jeito é apelar para prefixos gregos e latinos, termos da botânica, da medicina...

Vamos ver até onde vai a final.

A final do Soletrando

Deu o que eu esperava: o mineiro Eder, a paranaense Thafne e mais um - no caso, a Amanda, de Friburgo.

Ao que tudo indica, teremos no dia 31 de maio um repeteco do que aconteceu no último sábado: a amapense Auricélia caiu logo no começo, e o embate entre o cearense João Bryan e a Thafne se arrastou até a 12ª rodada, quando um ebdomadário desclassificou o menino. E eles soletraram pedreiras como joões-de-barro, aquiescência, ojeriza, linguodental, interlingüístico e esquizofrênico - palavra que deu a vitória à paranaense.

A Amanda pode até surpreender. O nervosismo dela ameaça derrubá-la, e, dos finalistas, ela é quem me passa menos firmeza. Tomara que eu esteja errado e ela ganhe, mas creio que veremos um pingue-pongue de tirar o fôlego entre Minas e Paraná, com evidente favoritismo da Thafne.

Tenho certeza de que pintará uma torcida nacional para o Eder. O menino, de família humildíssima, do Vale do Jequitinhonha, dependedora do Bolsa Família, ainda me soltou na apresentação, semanas atrás, provar que 'o Vale também tem gente de valor'.

Aí o público vai ao site dos perfis dos participantes e lê que a Thafne, aluna de um colégio militar, gosta de ver vídeos na Internet e sonha em ir para a Austrália. Vê, em seguida, que o Eder quer se formar em Economia e ajudar a família.

Nada de paixões. O Eder pode ganhar? Pode. A Thafne pode perder? Pode. Tudo vai depender do nervosismo dos dois e da capacidade de absorver palavras. Está mais que provado que a grande maioria dos que passaram à semifinal caiu por desconhecer o vocabulário. Gramática e ortografia, a maioria sabe.

O ruim é ter que esperar até o fim do mês.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Sumô

Alguém aí já viu uma luta de sumô?

Não precisa ir ao Japão. Basta pegar um filme ou dar a sorte de ver uma contenda na televisão.

Da próxima vez, prestem atenção ao juiz.

Ele parece falar ininterruptamente a palavra levanta. Algo como levantalevantalevanta...

Aposto que você ia morrer sem saber disso.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Aviso aos navegantes

O blog deu uma esfriada, mas prometo voltar a toda.

domingo, 13 de abril de 2008

Procuram-se respostas...

...para a questão do procuram-se.


Este, tal como o pesadelo da flexão do infinitivo, é uma afta da língua. Encontramos pás de exemplos errados: Procura-se médicos, vende-se casas, vê-se soluções.


Ah, então toda frase que tiver o -se vai para o plural?


Lamento dizer que nada no português é simples.


E digo mais: no caso do procura-se, não há uma 'fórmula', uma dica. Há, sim, uma lógica - mas ela só funciona se os fundamentos do idioma estiverem bem sólidos.


Em outras palavras, não dá para escapar da gramática.


Mas ela não é tão má quanto parece!


Então vamos à luta, para tentar não mais errar isso.


O primeiro passo é identificar que se é esse. Essa palavrinha pode assumir várias funções, mas podemos nos limitar a apenas duas, o que realmente nos interessa.


O se pode nos dizer que não há sujeito na frase. Uma dica preciosa para achar o sujeito numa frase é pegar o verbo principal e perguntar quem ou o quê.

Vamos começar com um exemplo fácil.

O padre proferiu um duro sermão no púlpito.

Há, aqui, um verbo: proferir. Usando a fórmula, a gente pergunta: quem proferiu?

O padre. Taí o sujeito da frase.

Agora, vamos à próxima:

Vive-se maravilhosamente aqui.

Quem vive?

A frase não diz. O sujeito está indeterminado.

Outra:

Precisa-se de empregados qualificados para a obra da ponte.

Ih... e agora? Quem precisa? A frase, mais uma vez, não diz. Acha que é fácil? Então vamos lá:

Ainda dá tempo para se tomarem algumas providências.

Frasezinha feia, não? Mas o duro é que a frase está correta.

Confesso que peguei pesado, porque se trata de uma oração reduzida, mas isso é gramática demais. Vamos voltar à regra da pergunta: o que toma? A resposta, porém, aparece quando a gente muda um pouquinho a questão. O que é tomado?

Viram? Taí um lindo exemplo de voz passiva. Você se lembra: na voz ativa, a coisa faz; na passiva, a coisa é feita. Existe uma forma mais curta de escrever isso. Faz-se a coisa.

Só que, na voz passiva, existe um sujeito. No caso acima, a coisa é sujeito de ambas as frases.

Como o sujeito manda na frase, devemos segui-lo.

Conserta-se janela. O que é consertado? A janela. E se a gente pôr janelas? Aí fica assim:

Consertam-se janelas.

Tá bom, vocês querem saber se tem uma fórmula. Ter, tem, mas vai depender de uma... decorebinha. Nada que com o uso contínuo você não guarde. É a regência. Ou a regra do quem coisa, coisa alguma coisa.

Falemos de regência depois. O pulo do gato, então, é identificar na frase o quem ou o quê.

1) Demitiu-se o diretor porque se elevaram os gastos na empresa.
2) Compraram-se várias ações ontem. Implicou-se em ótimos resultados.

Vejam que no exemplo 1 temos o diretor foi demitido e os gastos foram elevados. Temos aí duas vozes passivas. Já no exemplo 2, apesar de várias ações foram compradas, temos o em, que não nos deixa dúvida: os ótimos resultados são complemento, e não sujeito, que está oculto. Afinal, o que implicou? Quem implicou? Não foram os resultados. Foi alguém ou algo indeterminado.

O tema é espinhoso. Voltaremos a ele...

Outra vez...

...o Soletrando acha uma vencedora de maneira ultraprecoce. Ontem, tal como na semana passada, nem deu para queimar neurônio: as duas derrotadas caíram na segunda fase.

Primeiro, a piauiense cometeu um cideral. Depois a potiguar me soletra uma coalisão. Bom para a mato-grossense, que me parece mais bem preparada que a classificada no sábado retrasado...

segunda-feira, 7 de abril de 2008

O pesadelo

Este assunto foi um pedido da Gisele. Este post, então, é dedicado a ela.

Toda disciplina escolar tem a sua hora do pesadelo. É aquele assunto que desafia o mais obstinado CDF. Em Química, por exemplo, eu sofria nas delicadas e instáveis equações do cálculo estequiométrico. Na Matemática, penava nas contas da geometria analítica espacial.

Qual seria o pesadelo em Português? Acredito que haja outras dificuldades nas áreas mais específicas da matéria, mas no campo experimental, no dia-a-dia, arrisco a dar um palpite: é a flexão do infinitivo. Traduzindo:

Os estudantes fugiram para não ser ou serem presos?

Não há gramático nesta terra que crave uma regra. Os mais notáveis, como Gama Cury, Ernani Terra, Paschoal Cegalla, Pasquale e Sérgio Nogueira, concordam num ponto: depende do ouvido.

Quer dizer que vale tudo?

Não necessariamente. Casos cascudos como o exemplo acima são raríssimos, mas são comuns erros iguais a este:

A escola autorizou os alunos a viajarem para Minas Gerais.

O mesmo povo que prega a avaliação do ouvido (ou a eufonia) nos casos raros é taxativo em relação à frase acima: é errado, sim. Feio. Um deslize.

Vamos então tentar pôr fim a esse mar de dúvidas.

FICA NO SINGULAR...

1 - Quando o verbo é composto.

Reivindicamos estudar. Elas pretendem comprar a loja inteira!

2 - Quando o sujeito é o mesmo.

Eles recorreram à Justiça para derrubar a liminar. Nós não temos motivos de nos orgulhar.

3 - Quando o verbo complementa outro verbo, um substantivo ou um adjetivo, ou quando complementa uma voz passiva.

Todos têm permissão de entrar no templo. Nós nos arrepiamos com a emoção de ver o show. Os candidatos estão proibidos de levar celulares. Nós ficamos cansados de ouvir falar de tanta corrupção. Os grevistas desistiram de negociar e farão piquetes, mas a empresa autorizou os gestores a cortar o ponto dos manifestantes.

VAI PARA O PLURAL...

1 - Quando há sujeito próprio.

O professor permaneceu de olho, mas não viu os alunos colarem. Os pesquisadores garantiram serem nocivos os repelentes à base de cloro.

2 - Para evitar dúvidas.

O presidente convocou os minstros para (*) sobre as novas medidas. Falar ou falarem? Depende. Se quem vai falar é o presidente, fica no singular. Se são os ministros, é falarem.

Agora é que a porca torce o rabo.

3 - Quando é voz passiva com verbo de ligação.

Lembram-se do exemplo lá de cima?

Os estudantes fugiram para não ser ou serem presos?

Não tem bem uma regra. A coisa é muito subjetiva, depende demais da avaliação da frase. No exemplo acima, a noção de voz passiva tem de estar muito viva na cabeça da pessoa. Lembram? A polícia prendeu os estudantes. Os estudantes foram presos pela polícia. Até aí, tudo bem. O problema é identificar isso no meio da frase, com um infinitivo, ainda mais amparado pela premissa de que não há norma acerca disso.

Existe um efeito-caneca para isso. Basta desmembrar a frase com um que:

Os estudantes fugiram para que não fossem presos.

Vêem como aí a voz passiva brota como cogumelos depois de uma tempestade?

Os trabalhadores aprovaram as reivindicações para serem cobradas na próxima reunião.

A banca examinadora preparará neste fim de semana os testes para serem aplicados mês que vem.

Outra dica: quando o termo em dúvida não tiver um plural anterior, como foi o caso do último exemplo, o infinitivo vai para o plural.

O assunto é polêmico, os casos, raros; mas para mim o tema detém o título de mais espinhoso do idioma. Por isso, deve ser estudado e debatido.

Espero não ter cansado vocês.

sábado, 5 de abril de 2008

Reforma esburacada

Muita gente anda me perguntando se é para deixar de botar o trema.

Não! A reforma ortográfica ainda não entrou no papel (até porque se saísse do papel é que não ia pegar mesmo)!

Só para relembrar: a reforma, em tese, já poderia ser adotada. Antes, os países que vivem o português combinaram de mudar a escrita quando todos concordassem com as regras. O que era para ser unânime acabou virando uma modesta representação, pois mudaram a 'exigência' para a aceitação por apenas três das nações. E Portugal está de fora, ainda.

O assunto voltou à tona porque, em tese, basta a assinatura do presidente Lula para que as gráficas deste país comecem a trabalhar sem parar. Os defensores da mudança querem que os livros didáticos já venham com a nova ortografia já em 2009.

Mas semana passada eu bem descobri um... buraco, por assim dizer, na tal da reforma. Até agora todos estamos reféns dos poucos exemplos garimpados nos jornais. Assim é fácil. Eu quero ver quando, no meio de uma dúvida, alguém cravará que mesozoico terá ou não acento.

O buraco é o seguinte: a reforma vai derrubar quase todos os acentos dos ditongos: ói, éi, êe... mas faltou um.

Olhe para o céu! Com a reforma, você vai escrever ceu?

Pois esse acento não vai cair.

Podem espernear, fazer um escarcéu. Não sei por que cargas d'água deixaram esse acento. Mas eu me arrisco.

Lembram-se da minha lucubração sobre acentuação? Eu havia dito que os acentos são a marca da exceção: estão aí para nos orientar quando uma palavra deve ser dita e escrita de outra forma que não a imaginada pelo senso comum.

Deve ser influência do eu e seus derivados. Falamos êu. Daí, se tirássemos o acento dos éus, como falaríamos, por exemplo, beleleu?

Minha querida professora Neide levantou essa questão. Acredito que haja muitas outras.

Façam-me o favor...

A rodada desta semana do Soletrando foi triste.

A maranhense logo de cara me tasca uma magresa. Na rodada seguinte, a amazonense inventou uma prócliser.

Pior é que a catarinense, um miniclone da Ana Paula Arósio, deu relativa sorte. A julgar pelo "pra mim estudar" que ela cuspiu na entrevista, creio que sua vitória de deu pelo maior demérito das outras.

Bom mesmo foi semana passada. A carioca e a rondonense travaram uma peleja até a décima segunda rodada, com direito a erro duplo, que levou as duas de volta ao jogo. Primeiro, lá atrás, a sergipana rodou com uma estemporânea. Normal, a palavra não é tão comum. E aí vieram séries de palavrões soletrados corretamente, como xipófagos, hortifrutigranjeiro, hexassílabo exéquias...

Até que as duas erraram. Primeiro a rondonense deu um azar do cão ao ter de soletrar exegese. O próprio professor Sérgio admitiu que a palavra é danada. Significa, por sinal, uma 'explicação detalhada'. Saiu hexegesi. Em seguida veio a desfarçatez da carioca.

Com as duas no páreo, as palavras pioraram. Detonaram um soçobrar em cima da rondonense. A palavra, um sinônimo para afundar, naufragar, virou sossobrar. Normal. Já a carioca sagrou-se campeã com cessação - outra pegadinha da competição.

Faltando apenas duas rodadas para o fim da primeira fase, arrisco um palpite na paranaense. Ela vai degluti-los todos.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Em vez de ou ao invés de?

Sugestão do companheiro Rafael!

Essa é mais uma dúvida freqüente de nossa língua. Muitos já consideram esses dois termos como sinônimos, mas existe, sim, uma diferença.

Digamos que o em vez de seja um curinga. Você pode usá-lo em qualquer situação - e aqui já pintou um efeito-caneca. Todo ao invés de é um em vez de, mas nem todo em vez de é um ao invés de.

Isso porque o ao invés de não é tão versátil. Ele tem uma aplicação bem mais restrita. Indo ao dicionário, você descobre que a palavra invés já significa lado oposto, avesso. Quando montamos o termo ao invés de, queremos associar duas coisas contrárias.

Tudo isso fica mais claro com exemplos.

1) Eu não passei de ano. Eu fui reprovado.
2) Ele não saiu. Preferiu ficar em casa.
3) Nós íamos ao teatro, mas acabamos no cinema.

Vamos ler as três frases. Quais delas têm claramente uma idéia de oposição? As duas primeiras, certo? Nestas, podemos escrever:

1) Ao invés de passar de ano, fui reprovado.
2) Ao invés de sair, ficou em casa.

Já a última frase não reúne idéias opostas. Ir ao cinema e ir ao teatro são coisas complementares. Daí, não podemos usar o ao invés de:

3) Em vez de ir ao cinema, nós fomos ao teatro.

Outros exemplos:

Ao invés de reduzir gastos, aumentou a dívida; ao invés de chover, fez sol... e por aí vai.

sábado, 29 de março de 2008

Mais sobre a reforma ortográfica

A queda de alguns acentos já foi tema de um post aqui. Ontem o Jornal Hoje voltou a falar do assunto. A novidade? O governo quer que as novas regras imperem já no ano letivo que vem. O que isso muda na sua vida? Dizem que menos de 2%.

Acontece que Portugal ainda tem oferecido alguma resistência. Reza o acordo, porém, que basta a adesão de três dos oito países que vivem o português para se aplicar a mudança. Isso já aconteceu. Aposto, contudo, que vai rolar muita politicagem até lá.

Depois não reclamem de paranoia.

Em breve, numa banca perto de você...

Prepare-se para a batalha!!!

domingo, 23 de março de 2008

Deus e o diabo na terra dos sinônimos

Consultar dicionários pode ser uma atividade extremamente divertida!


E não me refiro apenas a palavrões que só existem na Medicina ou na Botânica. Falo das surpresas que pululam de onde menos se espera.


Sinônimos, por exemplo, podem nos surpreender. E eu me escangalhei de rir ao tomar conhecimento de duas constelações de palavras que usamos com freqüência.


A primeira é diabo; a segunda, meretriz.


Ambas têm quase uma centena de sinônimos — e não estou contando as derivações menores.

Comecemos pelo... hum. Vejam abaixo os nomes mais engraçados e escolham como chamá-lo:

anhangüera, arrenegado, azucrim, beiçudo, belzebu, bode-preto, bute, cafuçu, cão-miúdo, cpa-verde, capeta, capiroto, chavelhudo, cifé, cramulhano, demonho, demontre, diangras, diogo,
grão-tinhoso, jurupari, má-jeira, moleque-do-surrão, pedro-botelho, peneireiro, romãozinho, sapucaio, temba e zarapelho.

Agora vamos ver quantas palavras são sinônimo de Deus:

deidade, diva, divindade, nume e potestade.

Viram? Isso dá uma tese. Por que na Terra diabo tem uma centena de sinônimos e deus não tem? Porque Ele não quer que se indexe Seu santo nome em vão? Mesmo que os dicionaristas do Houaiss tenham tido certa preguiça — todo-poderoso e criador, por exemplo, constam como sinônimos, mas não dentro do verbete —, é inegável a criatividade para chamar o... cão-miúdo.

Uma pegadinha: qual o feminino de todo-poderoso? Toda-poderosa? Não. É todo-poderosa. Assim como escrevemos todo-poderosos. Tem a ver com a composição.

Agora vamos para uma constelação bem mais divertida. E que encerra uma polêmica.

alcouceira, andorinha, bagageira, bisca, bucho, cadela, caterina, courão, cróia, dadeira, decaída, égua, galdéria, galdrapinha, horizontal, jereba, lúmia, messalina, mundana, murixaba, paloma, pécora, rameira, rongó, tolerada, vadia, vulgívaga e zoina.

Acabou? Temos ainda mulher à-toa, mulher da comédia, mulher da rótula, mulher da rua, mulher da vida, mulher da zona, mulher de amor, mulher de má nota, mulher do fado, mulher do pala aberto, mulher errada, mulher perdida, mulher pública, mulher vadia...

Engraçado. Se você procurar por médica no Houaiss, vai ver que é uma "certa espécie de alfafa". Eles não dizem que é "mulher que exerce a Medicina". Então por que listar prostituta? Prostituto já não bastava, segundo a ordem machista dos dicionários?

Entre sem bater

Taí uma mensagem que me embola a cabeça até hoje.

Quando alguém dependura numa porta uma placa de entre sem bater, é para a pessoa entrar direto, sem dar aquelas batidinhas de "com licença?" à porta, ou é para a pessoa entrar e, delicadamente, evitar que a porta feche com um estrondo típico de brutamontes?

sábado, 22 de março de 2008

Vítima fatal

Vítima fatal é o caraleo!

Acredito ser essa uma das armas de destruição em massa que uns poderosos estão usando para nos dizimar. Eles apelam para uma lavagem cerebral a fim de espremer, dentro da palavra, um sentido que para mim não tem sentido. Mas pode ver: todo dia alguém comete uma vítima fatal.

O Houaiss diz que fatal é quem mata, não quem morre! Já o Aulete cedeu às pressões e admite o fatal ativo e o fatal passivo.

Meu argumento é um só: você usa vítima mortal? Ainda que se recorra à expressão restos mortais, o termo indica algo tenebroso, que tira a vida.

Para mim, a única chance de ter uma vítima fatal é quando um cara está limpando a janela, perde o equiílibrio e cai do décimo andar bem em cima de uma senhorinha de andador, matando-a na hora.

sábado, 15 de março de 2008

Soletrando dois-em-um

Minha preguiça me impediu de escrever sobre o Soletrando da semana passada.

Como tomei vergonha na cara, aproveito agora para falar das duas últimas eliminatórias.

Semana passada, uma menina esbarrou num ressucitar. Muita gente ainda tem dúvidas sobre onde tem sc e onde não tem. De todo o caso, é uma palavra comum, ainda mais em tempos de Páscoa. A menina vacilou.

Pela palavra que desclassificou a segunda menina, dá para imaginar até onde a peleja foi: septifoliolado. Hein? Quando a ouvi, não tinha a menor idéia do que significava. A garota grafou com C e levou bomba. Eu ia grafar com S, mas não de sete, como ensina o dicionário, mas sim de séptico. Não tem nada a ver. Esse palavrão vem da botânica e se aplica às folhas que têm sete 'gominhos'.

Hoje a briga foi boa, garanto. Deu um dó danado quando a menina gaúcha, uma graça, por sinal, tascou alemanzinhos. Foi uma pegadinha: plural de diminutivo derruba os iniciantes. É quase uma expressão matemática. Alemão, alemães; alemãozinho, alemãezinhos. A única forma de diminutivo no plural ir com S é quando a palavra já o tiver, como lapisinho, paisinho.

Daí travou-se um duelo entre Pernambuco e Bahia que teve direito até a subsidiária e vicissitude. Nessa, eu parei: é primeiro com SS? Tem SC? O problema se dá porque essas palavras, mesmo entre nós, redatores, são muito raras. Pois não é que a menina acertou de cara? Fui atrás do dicionário. Vicissitude é uma sucessão de mudanças. Crei uma dica para não errar mais: é o vício de mudar. Vício é com C; logo, vicissitude também.

Se a palavra acima não me é comum, a que derrubou a pernambucana vira e mexe me aparece: pára-choques. Sabem como é, acidentes eu tenho todo dia no jornal. A menina acertou o mais difícil — o acento —, mas errou no hífen. Pôs párachoques. E parou por aí.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Bem-me-quer...

Eu tenho uma fórmula infalível para as confusões entre bem/bom/mal/mau!

É normal trocar um pelo outro. Afinal, ninguém tem a obrigação de saber quem é advérbio, quem é adjetivo. Aliás, desconhecer o que é advérbio não é crime, vamos combinar!

Vamos ao que interessa. A dica é sempre pegar o caminho do bem. Se você tem dúvida entre mal e mau, pense no contrário: os bons sempre vão fazer a diferença.

- Aquele sujeito não presta. Sempre quer levar os outros para o (*) caminho.

E aí? Mal ou mau?

Pegue o caminho do bem. Seria o bem caminho ou o bom caminho?

Outra:

- Caraca, hoje eu estou um trapo. Acordei me sentindo (*) à beça.

O que eu quis dizer com essa brincadeira? É muito mais fácil você identificar entre bom e bem o que soa melhor; nossos ouvidos dirão. Daí, é só se lembrar dessa regrinha:

Mau - O u é quase um o. Então, o contrário de mau é bom.

Mal - O l é comprido como um e. Então, o contrário de mal é bem.

Entendido?

Pegadinha malcriada

Confesso que titubeio em relação a palavras que começam com mal-. Têm hífen? São coladas? O jeito é ir ao dicionário.

Contribui para essa dúvida uma pegadinha danada. Malcriado, por exemplo. É o indivíduo que faz muita... malcriação?

Pois nem toda a peraltice do mundo há de fazer uma coisa dessas. O correto, segundo os alfarrabistas, é má-criação.

E vocês verão que faz sentido. Qual o contrário de malcriado? Bem criado. Mas não existe bem criação, existe boa criação.

Querem ficar ainda mais confusos? O dicionário registra malcriadez. Não, as regras não foram mandadas às favas. Isso daí é uma derivação própria...

quarta-feira, 12 de março de 2008

Nada haver ou nada a ver?

Já vi muita gente escrever chagas do tipo:

- Uma coisa não tem nada haver com a outra.

Sim, é uma chaga, mas não vamos crucificar ninguém por causa disso. Há uma lógica para o erro: haver está freqüentemente associado a existir. Daí, a pessoa acha que uma coisa não coexiste com a outra e manda esse Gato com J.

Não, nada a ver é uma expressão. Significa ter relação, ter vista com.

Mas nada haver é errado?

Em Portugal, onde haver também é sinônimo de receber — daí deriva haveres —, se fala ter a haver. Donde a gente chega a nada a haver como sinônimo de nada a receber.

Parônimos inúteis

E por falar em escangalhado, palavra que consta da minhas preferidas, acabei de descobrir que ela tem um parônimo.

Escangalhar é quebrar, causar desarranjo. Sei lá, soa mais simpático que avariar. Acho que escangalhar sempre está associado às artes de um menino malcriado.

Escanganhar não tem nada a ver. É o ato de retirar as uvas da haste. Daí deriva uma escanganhadeira. Lindo, não é?

Outra da Itália

As línguas latinas se parecem, mas nem tanto.

A gente, dentro da nossa ignorância, acha que sabe traduzir livremente por aí as palavras só porque acredita que não há diferenças gritantes.

Este caso não se trata de uma diferença gritante, mas é engraçado.

No orelhão, minha mãe penou para conseguir fazer uma ligação — talvez porque, à época, estávamos acostumados a telefones públicos menos modernos. Na terceira tentativa vã, ao pôr o fone no gancho, ela viu no visor algo como scanciare, scangliare, eu sei lá. Quem souber italiano por favor me ajude. Mas aí ela perguntou:

- Scanciare é escangalhado?

Não, não era. Por intuição, essa palavra significava tire do gancho. Não estava escangalhado.

Noiva-cadáver

Essa é velha. Diria que é tão ou mais anciã quanto a confusão envolvendo bicha/fila em Portugal.

Uma vez, na Itália, vendo um comercial de TV, eu me surpreendi. Era um anúncio de um sabonete, não me lembro bem, mas era típico: tinha aquela moça recém-saída do banho, pele limpa, passando o tal produto. No fundo, a narração destoou:

- ...com'è mórbida...

Engraçadíssimo! Mórbido, em italiano, quer dizer macio. Fofo igual à noiva-cadáver.

terça-feira, 11 de março de 2008

Iósceles

Foi o meu camarada Gustavo de Almeida quem percebeu o escorregão. Sim! Confesso o crime!

Eu jurava que isósceles não tinha o primeiro S. Será que meu livro de Matemática estava errado? Será que o detalhe me escapou? O próprio Sérgio Nogueira admitiu que a raiz iso- é traiçoeira, que não há uma regra clara sobre quando temos o SC.


Isso me faz lembrar um velho teste de percepção. Está em inglês, mas quem não sabe a língua de Shakespeare também pode fazer. Quantas letras F há na frase abaixo?

FINISHED FILES ARE THE RE
SULT OF YEARS OF SCIENTI
FIC STUDY COMBINED WITH
THE EXPERIENCE OF YEARS...

Três? Não, seis. Já provaram que o F em of não é, digamos, percebido.

Pois eu não percebi que o primeiro S de isósceles faz muita falta, ao contrário do segundo.

Em tempo: a folga de uma semana foi involuntária. Retomarei os trabalhos e aguardo a visita de vocês.

sábado, 1 de março de 2008

Agora há pouco, no Soletrando

Eu jurava que isósceles não tinha o primeiro S. Será que meu livro de Matemática estava errado? Será que o detalhe me escapou? O próprio Sérgio Nogueira admitiu que a raiz iso- é traiçoeira, que não há uma regra clara sobre quando temos o SC.

Em todo o caso, o que derrubou o guri do Tocantins não foi o SC. Ele soletrou ixóceles. Gato com J? De modo algum. Ele deve ter pensado em executar, em que o inconstante X tem som de Z. Foi, para mim, a mais ingrata palavra da rodada.

Já o candidato do Distrito Federal pecou ao tascar ombridade, sem H. Mais um caso de erro por desconhecimento de vocabulário.

Já o representante mineiro, um humilde jovem do Vale do Jequitinhonha, falou a frase de efeito mais honesta e tocante até agora. Não me lembro exatamente, mas era algo assim: 'Apesar da pobreza, o Vale do Jequitinhonha tem gente de valor'. E ele provou esse valor ao corretamente soletrar extensão. Ainda que a edição da apresentação lhe tenha sido extremamente favorável.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

'Hinferninzação'

Outra grande dificuldade da língua diz respeito ao hífen. É, com perdão do trocadilho, um hinferno.

Existem duas categorias principais de uso. Há o hífen de super-homem e há o hífen de dona-de-casa.

O primeiro é o hífen dos prefixos, que têm inúmeras regras. Normas, aliás, que a reforma ortográfica quer apagar. Realmente, não faz sentido você hinfernizar extra-oficial e escrever antiinflamatório tudo junto. Isso seria nivelado por baixo: praticamente tudo perderia o hífen, salvo em super-reforma. Alegam que aí você tem o som de três erres.

O que vocês podem saber para simplificar a vida é que a grande parte das palavras prefixadas não pede hífen. Isso só poderá ocorrer - e depende ainda do prefixo - se o que vier depois do tracinho for vogal, H, S ou R.

Megacondomínio? Supercasa? Internacional? Bicentenário? Hexacampeonato? Tudo sem hífen.

Já o outro círculo hinfernal é o da derivação de sentido. Quando duas palavras se juntam para formar uma outra acepção, costuma-se pôr hífen.

O braço direito dele ficou preso no portão.

Então? Tem ou não tem? Se for o braço, não, obviamente. Mas se for o homem de confiança, tem. Braço-direito.

Outro caso duplo: quando você sofre com enxaqueca, você tem dor de cabeça. Quando alguma coisa aporrinha você, é uma dor-de-cabeça.

Existem exceções — claro, o que seria o português sem elas —, mas eu proponho uma rebelião em prol da lógica. Alguns dicionários registram sem hífen termos que ao meu ver deveriam ter, como homem forte (no sentido de ser o maior braço-direito).

Assim, proponho a regra: mudou o sentido? Hífen. Como em alto-mar.

Mar alto

Não é um Gato com J, mas mancha.

Como se chama essa novelinha que o Renato Aragão protagoniza esta semana, antes de Malhação?

Poeira em alto mar. Sentiu falta de alguma coisa?

Sim, faltou um hífen. Alto-mar tem hífen.

E daí? Como já disse, não é um Gato com J. Mas não custava nada um programa voltado para crianças escrever direito.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Metapiadas

Já falamos de pleonasmo. Hoje falaremos de metalinguagem.

Soa chato? Vocês verão que não.

Metalinguagem é a língua que serve para se descrever ou descrever outra. É a língua falando da língua.

Já uma metapiada seria a piada dela mesma.

Eu conheço duas. Uma em português, outra em inglês.

A estrangeira foi tema de um documentário que anda passando na HBO. É a Piada dos Aristocratas. Já a nossa é a Piada do Tchu.

Ambas, na essência, não têm a menor graça. Para ter sucesso, dependem de quem as conta. Seguem a mesma fórmula: têm começo e fim. O meio fica por conta do piadista. Por serem livres, permitem devaneios, fugas, improvisações, encenações. Se a pessoa for talentosa, pode ser ovacionada.

Eis a fórmula dos Aristocratas:

- Um comediante procura um produtor e diz: 'Eu tenho um número maravilhoso para apresentar no seu teatro!!!'. O produtor: 'Como é?'. E o comediante começa.

Neste ponto entra a improvisação do cara. Americanos normalmente usam e abusam de toda sorte de devassidão, podridão e bizarrices sexuais entre uma família com pai, mãe e casal de filhos. Há quem inclua animais na orgia. O primeiro intuito não é chocar, mas fazer rir da situação esdrúxula.

Terminada a exposição, o comediante tem de voltar à fórmula.

- O produtor, então, pergunta: 'Ótimo número! Como se chama?'. E o comediante responde, gesticulando à Carmem Miranda: 'The Aristocrats!'

No documentário, todos elogiam o que seria o Picasso da Piada dos Aristocratas. É Gilbert Gottfried, num evento do playboy-mor Hugh Hefner. O vídeo está em inglês. ATENÇÃO: antes de clicar, vá preparado para muita baixaria.

Já a Piada do Tchu, apesar de tão infame quanto, é infinitamente menos pornográfica, quiçá casta. Sua fórmula é aberta, permite que o comediante estabeleça tempo, local e situação. Pode ser tanto na Idade Média quanto na esquina da sua rua.

Envolve basicamente o seguinte: um cara encontra um grupo que saúda, com cânticos e vivas, um tal de Tchu. A partir daí, o piadista tem de criar situações rocambolescas para dificultar a entrada desse cara nos adoradores do Tchu. Ou então principiar uma saga pelos grotões, inventando obstáculos para retardar o Encontro (é importante frisar a caixa alta). Há quem explore condições bizarras, como ter de usar um broche do Pokémon ou calçar sapatos bege para ser aceito.

Se o Aristocratas não depende de duração, o Tchu tende a fazer mais sucesso caso seja interminável. Quando o carrasco-piadista se certificar de que a audiência já está de saco cheio, deve seguir mais ou menos isto:

- Aí, o cara finalmente chega a uma caverna/templo/galpão/parque. Lá, encontra um fortão sem camisa/encapuzado/de batina com uma tocha acesa na mão e um balde d'água/em frente a uma poça/um lago. Cânticos evocam o Tchu num volume que cresce a cada instante. O fortão, então, com uma voz de trovão, grita para a multidão: 'VOCÊS QUEREM VER O TCHU???'. No que a turba clama por sua presença, ensandecida, o fortão ergue a tocha e a enfia na água: TCHUUUUU...

Conhece uma versão inusitada? Conte para a gente.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Soletrem isso

Sugestões para queimar os neurônios dos pequenos soletradores do Caldeirão do Huck:

Auscultação - é o que o médico faz para saber se o coração está acelerado ou se o pulmão está chiando. O aparelho, o auscultoscópio, também é uma boa pedida.

Bacineta - bacia pequena.

Bacterioplânctones - conjunto de bactérias que vivem entre os plânctons. Dessa cepa vem também a bacteriotoxemia, que é a medição de toxinas desses bichos no sangue. O x é igual ao de táxi.

Isso vai demorar. Continuo depois.

Sujeito quem?

Muita gente ainda não sabe usar vírgula.

Um dos Gatos com J mais comuns é separar sujeito do predicado com vírgula.

Os alunos, se esqueceram de entregar o trabalho a tempo.

Olhando assim, vocês possivelmente exclamarão:

- Mas não é possível!

A língua, meus caros, tem suas armadilhas.

Quem nunca cometeu infrações de trânsito em toda a vida, merece um prêmio.

Quanto maior o sujeito, maior a chance de cair uma vírgula no lugar errado. E sujeitos-quem são mestres em induzir a pessoa ao erro.

Isso porque normalmente um sujeito-quem pode vir cheio de penduricalhos, como no exemplo que dei acima. A leitura da frase também sugere uma 'pausa' que faz a mão coçar para enfiar a maldita vírgula.

O assunto não se esgota aqui. Mas vamos combinar: sujeitos-quem, assim como todos os outros, não pedem vírgula antes do predicado.

Em toda a parte ou em toda parte?

É, de novo, aquela velha história.

Ao pé da letra, em toda a parte seria a parte inteira. No caso, quando a gente quer dizer que algo ocorre em qualquer lugar, o melhor é dizer em toda parte.

Duas ou três coisas sobre a reforma ortográfica

No ano passado pipocaram matérias nos jornais sobre a reforma ortográfica. O projeto, que não é de hoje, estaria para entrar em vigor em breve, o que causaria uma pequena revolução nas escolas, redações e sobretudo editoras.


Num post abaixo, falei de uma lógica da acentuação das palavras. Em tese, a reforma segue no rumo de aprumar essa lógica. A maioria das mudanças diz respeito à eliminação de acentos.

Como se chama o lugar onde as abelhas moram? Tem acento? Pois a reforma quer tirar. Escreveríamos colmeia, assim como assembleia e heroico. Uma paranoia?

Especialistas da língua criticam a proposta. Apóiam uma reforma, mas não esta, que, segundo eles, mexe pouco e mal. A Veja, ano passado, deu capa sobre o tema. Entre os argumentos a favor, está a unificação editorial nos países que falam e escrevem português. Um livro do nosso Saramago fatalmente tem uma versão portuguesa e outra brasileira, embora lê-lo sem retoques seja um dos encantamentos que ele nos reserva.

Enquanto não se chega a um consenso, muita gente pergunta: tá, mas na prática o que muda? Por enquanto, nada. Os acentos valem, o trema vale.

Aliás, acho um pecado acabarem com o trema. Mas isso é assunto para mais de um post.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A lógica da acentuação

Decorar as regras para pôr agudos, circunflexos, tis e tremas corretamente nas palavras está entre as coisas mais irritantes da língua portuguesa.

Aposto que muitos de vocês que seguiram carreira bem longe das letras ainda se perguntam por que tiveram de aprender que paroxítonas terminadas em a, e e o são acentuadas.

E acentuação não nos torra só no colégio, não: nove entre dez concursos públicos metem os casos mais raros em suas rocambolescas provas de português.

Dou razão a todo aquele que reclamar do assunto. É preciso ter muita paciência para lidar com agudos, circunflexos, tis e tremas.

Não adiantaria aglutinar as regras de acentuação e jogá-las aqui. Também não conheço nenhuma fórmula mágica que tire todas as dúvidas. Bem, até tem: é o dicionário.

Mas lucubrei um tanto sobre isso e cheguei a uma conclusão. Lingüistas, corrijam-me se eu estiver errado.

A acentuação é uma marca das minorias.

Veja bem: você não acentua toda e qualquer palavra. Na frase anterior, apenas o você levou acento. Qual é a lógica?

Para começar a entender acentuação, você precisa primeiro saber o que são sílabas tônicas. São as sílabas mais fortes, são as que 'puxam' a palavra. Aprendemos na escola uma maneira fácil de distingui-las: chamemos por elas.

Imagine que você está numa feira livre e vê uma grande amiga sua, a Dona Palavra, comprando peixe na barraca do outro lado da rua. Você, então, grita:

- Ô Dona PaLAvra!!!

E assim você a encontra. Não a Dona Palavra, mas a sílaba tônica.

Você já deve ter percebido que nem todas as sílabas tônicas levam acento. Você não escreve palávra, nem peníco.

A lógica — a que eu me referi lá em cima —, ao meu ver, é simples. As sílabas tônicas seguem um padrão. A partir daí, surgem grupos majoritários de palavras. Por serem mais numerosas, elas ditam a regra.

O acento indica a exceção.

Alguma vez eu vi ou li que as paroxítonas são maoria em nossa língua. É paroxítona a palavra cuja penúltima sílaba é a tônica. Se você pegar as regras de acentuação, verá que somente as palavras mais doidas levam o acento. São as que terminam, por exemplo, com ã/ãs, ão/ãos, um/uns, ps e x, entre outras. Como você pode concluir, são as minorias.

E como eu explicaria por que Caju não tem acento, como consta até de placas oficiais? Mais uma vez, é a regra da maioria. Esse grupo de palavras — formalmente chamadas de oxítonas terminadas em i e u — segue o padrão de a sílaba tônica ser a última. Sempre. Por isso, xixi e Peru não têm acento.

Já as proparoxítonas sempre têm acento. Nelas, a antepenúltima sílaba é a mais forte. Como são raras, e não a maioria, precisam da marca para que último não seja lido como ultímo.

Querem um exemplo: como se pronuncia misantropo?

(Em tempo, misantropo é quem odeia a humanidade, as pessoas)

Ficaram na dúvida entre miSANtropo ou misanTROpo? Fácil. Fosse miSANtropo, teria acento, pois seria uma proparox. Como não tem, é uma parox. E a maioria das paroxes não tem!

Espero não ter embaralhado a cabeça de vocês.

Para os saudosistas que sentiram vontade de reviver as aulas de português, indico um bom resumo. E muitos de vocês cantam e se encantam com uma música famosa que explora as proparoxes.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Em casa de ferreiro...

Alguém pode me explicar por que a bandeira da Paraíba projetada no telão atrás de seu candidato, o Romário, tinha um erro de português?

Sim, eu vi e muita gente também viu NÉGO escrito sobre o pavilhão.

NÃO! O NEGO da bandeira da Paraíba não tem acento!

Em tempo: antes que algum desavisado pergunte o porquê do nêgo da bandeira, uma pequena aula de história.

O NEGO vem do verbo negar; imortaliza no símbolo do estado a postura do governador João Pessoa, que no fim da década de 20 protagonizou um racha na até então insossa política brasileira. Reinava a aliança do café-com-leite, em que mineiros e paulistas se revezavam no poder. Washington Luís, no entanto, quis romper esse acordo de cavalheiros, o que despertou a ira de João Pessoa. Num telegrama, resumiu em uma palavra todo o seu descontentamento: NEGO (o apoio). Ele então passou a apoiar o gaúcho Getúlio Vargas. Acabou assassinado.

Com o atentado, a capital mudou de nome. Era Paraíba e virou João Pessoa. Conta Ariano Suassuna que há poucos como ele, paraibano e paraibense, já que, desde 4 de setembro de 1930, quem nasce na capital da Paraíba é pessoense.

Agora há pouco, no Soletrando

Os meninos que representavam Goiás e Paraíba foram desclassificados não porque não sabiam soletrar direito. Mesmo errando, os dois 'acertaram' em acentuação e, vá lá, ortografia. A palavra que eliminou Romário, da Paraíba, ictiófago, virou intilófago, que nem sequer existe.

Das duas, uma: ou o som dos fones não estava claro o suficiente, o que atrapalhou os candidatos, ou o conhecimento deles do vocabulário é razoável, quando deveria ser bom.

Em tempo: ictiófago é quem come peixe.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Tá dominado!

Um dos meus autores preferidos é João do Rio.

Ele desenvolveu, no século passado, um estilo de crônica cativante que não envelheceu. E soube captar como poucos a alma encantadora das ruas — título de uma de suas recomendadíssimas obras, de cujo capítulo Sono calmo retiro este trecho:

O encarregado, trêmulo, seguiu à frente, erguendo o castiçal. Abriu uma porta de ferro, fechou-a de novo, após a nossa passagem. E começamos a ver o rés-do-chão, salas com camas enfileiradas como nos quartéis, tarimbas com lençóis encardidos, em que dormiam de beiço aberto, babando, marinheiros, soldados, trabalhadores de face barbuda. Uns cobriam-se até o pescoço. Outros espapaçavam-se completamente nus.

Dito cujo

Esta é uma das pragas mais recentes.

Os motoristas que tiveram o direito de dirigir suspenso deverão entregar a carteira de habilitação imediatamente.

Os manifestantes tiveram negado o pedido de isenção pelo juiz.

Há algo de errado nessas frases? Gramaticalmente, não.

Mas é feio para caraleo.

Isso porque inventaram, nos últimos anos, mais um uso para o verbo ter. Até bem pouco tempo atrás, a gente o empregava como sinônimo de possuir. Ele também serve como verbo auxiliar. Agora, é metido como muleta numa construção que considero no mínimo preguiçosa.

Para evitá-la, vocês devem inverter a frase ou usar uma palavra execrada por muita gente: cujo.

Eu não tenho nada contra cujo, pelo contrário: acho até um termo elegante, sobretudo quando vem ladeado de preposições. O concurso a cuja premiação eu me referi aceita inscrições até amanhã. Lindo, né?

Ainda que eu não tenha nas mãos uma sentença condenando à morte essa construção, nem um argumento inquestionável o suficiente para bani-la, peço que reconsiderem e dêem mais carinho ao dito cujo.

Em tempo! Vejam como ficariam as frases lá de cima sem essa praga:

Os motoristas cujo direito de dirigir foi suspenso deverão entregar a carteira de habilitação imediatamente.

O juiz negou o pedido de isenção feito pelos manifestantes.

Incidente ou acidente?

As pessoas acham que dá no mesmo, mas não dá, não.

Acidente é mole: caiu de bicicleta? Acidente. Martelou o dedo? Acidente. O carro capotou? Acidente.

Já um incidente se refere a algo não tão... físico. Uma briga, um bate-boca, um mal-entendido, uma discussão, um deixa-disso.

Tenho uma dica. Não chega a ser um efeito-caneca, mas ajuda.

Pense sempre na expressão incidente diplomático. Vocês sabem: é quando um país briga com outro, mas não a ponto de bombardeá-lo.

Outro exemplo. Ameaça de bomba num prédio. Os bombeiros mandam esvaziá-lo. Não acharam nada? Foi um incidente. Tinha uma bomba, e ela explodiu? Acidente.

Vocês viram a manchete do Globo hoje?

Brasil reúne recursos para pagar toda dívida externa.

E aí, está errado ou não?

É aquela velha história. Temos de ser humildes a ponto de tolerar outros pontos de vista, pois ninguém é o rei da verdade. Mas eu fiquei no mínimo curioso em saber se houve uma discussão entre os redatores por causa do a — que eu, aliás, defenderia até a morte.

- Tem que ser toda a dívida.
- Não cabe. Já está apertado.
- Mas assim vai parecer que o Brasil tem várias dívidas.
- Ué, e não tem?

Ou, para eliminar todas as polêmicas, bastava trocar a ordem da frase: Brasil reúne recursos para pagar a dívida externa toda.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fui eu que fiz

Esta é para a Amanda.

Responda rápido: fui eu que fiz, foi eu quem fez, fui eu quem fiz ou nenhuma das opções? Ou todas?

Essa inversão realmente dá um nó na cabeça de muita gente. Mas há um efeito-caneca para ninguém mais errar.

Quem e que são pronomes. Acontece que o quem é tirano, não gosta muito de variações. Logo, uma frase como fomos nós quem fizemos não fica muito bem na fita.

Já o que é uma maria-vai-com-as-outras. Eu que fiz, nós que fizemos, eles que fizeram.

Para evitar problemas, prefira o que. Já o quem pode e deve ser usado em outras frases, como Quem fez isso? (notem que não se escreve Quem fizemos isso?, é um Gato com J)

Um cacófato para Fidel

O cacófato é uma das pragas mais divertidas da língua. Todos nós a aprendemos no colégio. Quem é jornalista também a conhece muito bem.

Surge um cacófato quando a junção de duas ou mais palavras produz outra, de baixo calão, ou feia mesmo. Há um certo ranço de preciosismo em alguns casos, mas em outros não dá para negar: é esquisito paca.

O meu preferido?

- O secretário foi demitido por razões que só o governador sabe.

Outro clássico:

- O verão tem tudo o que o carioca gosta!

Antigamente eu era obrigado a evitar cocôs (os ladrões roubaram cinco cobertores) e outras excrescências. Hoje em dia eu fiquei mais tolerante, até porque muita gente nem percebe que tropeça em cacófatos.

Mas existe um ainda mais clássico, proposital, e ancião: tem uns 45 anos, quase a duração do comando-em-chefe de Fidel Castro em Cuba.

(Ainda que eu não o admire politicamente, não posso negar que se trata de um ícone)

Era 1962. Auge da Guerra Fria. Cuba era a casa de veraneio da União Soviética, que bancava a grande aventura socialista na América Caribenha. Aí o presidente Kennedy descobriu, primeiro por agentes da inteligência, depois por fotos mesmo, que a ilha tinha recebido um respeitável arsenal de mísseis que podiam fazer estragos em Miami e Houston.

Historiadores elegem este o momento mais crítico da Guerra Fria, em que ficou claríssima a ih!minência de uma nada gentil troca de bombas — já que o Tio Sam também tinha armas no quintal do inimigo, no caso a Turquia.

Quando o mundo se preparava para uma batalha de verdade, com destruição em massa, e Fidel, uma invasão ianque ou algo pior, Kennedy e Krushchev selam um acordo, e a paz volta aos níveis de banho-maria.

Mas, até o desfecho, muita gente aqui no Brasil apostava num bombardeio das cidades do sul da costa leste dos Estados Unidos. Outros afirmavam que Fidel era um frouxo e não teria coragem de atacar o vizinho.

Dessa polêmica surgiu, aos sabores de uma crise mundial, um cacófato gaiato:

- Eu quero ver Cuba lançar!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Antártica ou Antártida?

Essa é fácil. Vocês falam Ártico ou Ártido?

Pois bem. O continente gelado, por estar no Pólo Sul, oposto ao Pólo Norte, é o Anti-Ártico - pus o hífen para destacar bem, pois a rigor não há.

Logo, é Antártica.

Quem bebe a Boa sabe disso muito bem. A cerveja é Antarctica.

Mas e todo mundo?

Mas e todo mundo? Não seria todo o mundo?

Aí entra o bom-senso. Mundo já assumiu há muito tempo a idéia de gente. Além do mais, mesmo se a gente pegar ao pé-da-letra, a expressão serviria dos dois jeitos: todo o mundo seria a Terra toda, a população toda; todo mundo, por sua vez, indicaria todos os planetas, todas as gentes, todos os extraterrestres, seres abissais, anjos etc...

Aliás, todo o mundo é feio. Prefira todo mundo.

Todos no seu devido lugar

Mais uma afta da língua.

Todo mundo erra todo.

Concordo que é uma praga espinhosa.

A grande questão está nos termos todo país e todo o país. Existe alguma diferença? Não é a mesma coisa?

Não, não é.

Quando a gente escreve todo país, a palavra todo assume o significado de qualquer.

Na outra expressão, todo o país, estamos nos referindo ao país inteiro.

Mas todo mundo erra. É comum a gente encontrar algo do tipo Todos alunos ficaram para a prova final. Neste caso, a gente precisa escrever Todos os alunos... No plural, isso não funciona. Está errado.

O problema aparece em frases como essa: Toda turma ficou de recuperação. E agora, José? O que o mané quis dizer? Da maneira como está, a gente tem de adivinhar. É a turma inteira ou é qualquer turma? Ou, ainda, todas as turmas?

Entra em ação o efeito-caneca. Não lembra o que usar? Troque. Use inteira, se for o caso, ou qualquer. Para eliminar as dúvidas, ponha todos sempre depois da palavra: os alunos todos, o colégio todo, o baile todo...

Com todos no seu devido lugar, todo mundo deixa de errar.

Universos paralelos

Posso estar enganado, mas creio que uma parte considerável de nosso vocabulário está tomada por termos ultra-específicos. Não faço idéia do real tamanho da contribuição com palavras da Medicina ou do Direito. Quem os estuda deve saber uma pá de expressões e palavrões que a maioria dos mortais jamais ousou pronunciar.

Salvo quando se abatem pequenas tragédias de saúde que fazem você penar, mas ampliam o seu vocabulário.

Eu tive o desprazer de conhecer dois desses milhões de termos.

Um me acomete há um mês. Começou logo na virada do ano, com uma tossezinha, e virou uma moléstia que regularmente me sufoca com dantescos ataques. Fui ao meu otorrinolaringologista e descobri se tratar de uma faringotraqueíte.

Não, não está no dicionário. Pelo menos assim, composta. Separadas, as duas constam, sim, dos alfarrábios. Mais comum, a faringite é bem conhecida; a traqueíte já provoca estranheza. Mas eu tinha uma explicação na ponta da língua:

- Traqueíte é a faringite da traquéia.

A outra foi muito, muito pior. Desta vez, da lavra da odontologia. Eu me gabo de nunca ter tido cáries na minha vida, mas sofro além do normal com placas. Então, de tempos em tempos, tenho de ir ao dentista limpá-las (coisa que qualquer adulto deveria fazer, aliás).

Um belo dia, quando mais novo, notei um incômodo e persistente sangramento nas gengivas. Fui ao dentista. E fui esculachado como nunca antes na história deste país — o que me fez tornar um fundamentalista da limpeza bucal, diga-se de passagem.

- Nossa, é uma Guna! Filha, venha ver! É uma Guna!

A filha em questão também é dentista, claro. Já estava envergonhado com a descompostura. Fiquei em pânico ao saber, mais tarde, que Guna é a sigla para Gengivite Ulcerativa Necrosante Aguda.

Julgava ser impossível um sangramento reunir tantas palavras mórbidas juntas. Uma gengivite já é temerária, pois toda inflamação é ruim; ulcerativa vem de úlcera, uma lesão degenerativa; necrosante indica que há morte de células. Só essas três indicariam algo muito grave, certo? Pois ainda tinha um aguda para reforçar.

Mas nada que uns antibióticos, fio-dental e muito antisséptico bucal não resolvessem.

E vocês? Conhecem termos lindos como esses? Dêem sugestões, que as publicarei aqui! Vamos, procurem em seus livros! Aposto que o português é muito criativo em suas áreas!

Papisa

Minha adorável amiga Flavia Salme levantou uma questão.

Por que existe papisa, feminino de papa, se o termo nunca será usado?

Simples. A palavra foi criada porque a História precisou.

Se é verdade ou se não passa de uma lenda, o fato é que há a figura da Papisa Joana, que teria assumido o trono de Pedro por dois anos nos idos longínquos de 850. Segundo a lenda, Joana nascera na cidade alemã de Mainz e, graças ao seu vasto conhecimento, tornou-se chefe maior do Catolicismo — mas antes adotou a identidade de um homem. Devaneios dão conta até de um parto em plena procissão, pois Joana não era de ferro e tinha um amante.

Hoje a História assegura que nunca houve uma papisa. Mas um ritual do conclave mantém viva a força da lenda. Antes da efetivação no cargo, o bispo eleito papa é devidamente checado nas partes íntimas para receber a bácula e o barrete (nomes dados ao cajado e ao chapéu). Ou seja, é preciso ter colhão para ser o Sumo Pontífice. Trauma que teria sido imposto por Joana.

Em tempo: não haverá papisas pelo mesmo motivo por que não há mulheres no sacerdócio. A Igreja viu, há séculos, a ameaça de sua incalculável fortuna ser diluída por milhares de herdeiros. Assim, encarcerou-se entre homens.

Berinjela ou beringela?

A Megazine de hoje levanta uma polêmica que se encaixa muito bem na questão do fundamentalismo. Afinal, qual o nome daquele fruto que a gente come com torradas, numa camponata, bem ao gosto dos italianos?

E eu lá sei? A reportagem justamente enfoca essa polêmica. Taí uma prova de que ninguém é o senhor da verdade. Podem até justificar por A + B que a beringela é mais usada que a berinjela, mas é correto dizer que o Houaiss está mais certo que o Aurélio? E o Aulete, que foi o dicionário lançado mais recentemente, o que diz? Fica no muro. Dá as duas, sem predileção.

Acho que a única discussão cabível em torno da beringela/berinjela é como comê-la. Alguém aí tem uma boa receita?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Tonitruante

Vez por outra, postarei aqui algumas das belas palavras de nosso idioma.

Tonitruante é quem tem a voz de trovão, quem é ruidoso.

Também usamos tonitruoso ou tronítuo.

E daí deriva tonitrofobia, ou o velho medo de trovões.

Tempo de duração

Vamos combinar?

Este blog será implacável na luta contra as pragas da língua. Vale inseticida, bactericida, água sanitária, creolina ou mesmo um banzai com uma sandália.

Mas tempo de duração é o caraleo!

(perdoem o linguajar, mas destilar a ira, ainda que maquiada, faz bem)

Basta ir ao dicionário. Duração sempre estará relacionada a tempo. Sempre. Vocês nunca vão encontrar por aí um "A corrida durou dois quilômetros".

Mas a praga é persistente.

O tempo de duração do evento foi de duas horas e meia.

NÃO! É tão mais simples dizer "O evento durou duas horas e meia"!

Pelamordedeus. Economizem tinta, papel e saliva. Obrigado!

=)

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Fundamentalismo lingüístico

Em tudo na vida, ser radical não faz bem.

Sobretudo na nossa língua.

Já disse lá para baixo que as exceções de nossa gramática despertam paixões e ódios. Há quem defenda ferrenhamente uma crase aqui, uma vírgula acolá, um hífen lá...

Eu já fui assim. Achava que havia A GRAMÁTICA CORRETA, em detrimento de outras, equivocadas.

Mas aí eu passei a ver que nunca, jamais, em tempo algum, o português será uma língua uniforme, como o alemão, o inglês — não são idiomas, são máquinas, o que lhes confere o devido fascínio.

O português é uma língua latina, cheia de coisinhas. Cabe todas as divergências possíveis e imagináveis. De onde eu passei a defender não o 'certo', mas o 'mais adequado' ou o 'mais sonoro'.

Eu acho que pouquíssimas pessoas têm de fato a autoridade de decretar o que está efetivamente errado. Mal comparando, não podemos levar a ferro e fogo a opinião divergente de milhares de juízes quando há apenas uma dúzia de ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe dar 'a palavra final'.

E, mesmo assim, no caso da língua, não há espaço para fundamentalismos. Ser xiita é ignorar que idiomas são dinâmicos e divergentes. E isso não faz bem, pois é radicalismo.

Claro que não há o que discutir com os 'gatos com J', aqueles erros crassos. Mas querem um exemplo de como tem pano para a manga?

Dona-de-casa tem hífen? Tem. E café-da-manhã? Aí eu não poria. Está errado?

Tenho outro ainda melhor. Como se chama aquele queijo que a gente bota em cima da pizza?

Muçarela. Sim! Com esse horrendo cedilha! É só ir ao dicionário. Mas eu me recuso a escrever assim. Aliás, nunca vi escrito. Espero que seja um caso, dentre vários, de aceitação por uso comum. Desde que eu me entendo por gente, o queijo é mussarela. Creio que muitos de vocês concordarão comigo. E como provar que o correto seja muçarela? Qual o argumento? Difícil convencer a gente sem fundamentalismo.

É por essas e outras que, quando eu me deparo com uma dúvida menor, recorro ao efeito-caneca.

É bom se acostumar...

Vocês se lembram de quando quase tudo cabia num disquete?

Hoje em dia o drive A pode escangalhar, que pouca gente vai dar conta.

Em tempos de iPods, pen-drives e memory cards, realmente o velho disquetezinho perdeu a utilidade.

Afinal, uma mísera faixa de mp3 de uns três minutos, ripada numa qualidade mediana, ocupará pelo menos uns três megabytes; dois e meio, se muito. Um CD normal nunca terá menos de 50 Mb. Quem baixa música direto está cansado de ver álbuns com 70, 100 ou até 200 megabytes. Um filme bate fácil a casa do giga.

Para quem não se liga muito no assunto, um disquete tem a enorme capacidade de 1,4 megabyte. Ou seja, para fazer caber aquela mísera faixa de três minutos, teríamos de condensá-la, dividi-la e gravá-la em dois disquetes. Uma total burrice.

Mas este não é um blog sobre português? Então por que na Terra estamos falando de informática?

Porque a tendência, em pouquíssimo tempo, é que 'megas' e 'gigas' se tornem tão obsoletos como hoje é para nós o quilobyte. Não dou dois anos para aparecer aí um pen-drive de mil gigas.

Mil gigas? Peraí, existe um termo próprio para traduzir isso. E se chama tera.

Já são bastante comuns supercomputadores com terabytes (Tb) de memória. E acima disso, vocês sabem os termos?

Eles estão aí há milênios, tanto para cima, quanto para baixo — quem aí nunca ouviu falar de nanotecnologia? —, mas a informática tem popularizado essas palavrinhas, derivadas do grego.

Então, vamos à aulinha:

Quilo (K) - mil.
Mega (M) - um milhão.
Giga (G) - um bilhão.
Tera (T) - um trilhão.
Peta (P) - um quatrilhão.
Exa (E) - um quintilhão. Atenção! Não confunda exa com hexa. O último equivale a seis vezes (hexacampeão). Até a pronúncia é diferente: eza/ecsa.
Zeta (Z) - um sextilhão.
Yotta (Y) - um septilhão. Não confundir yotta com iota, a letra grega de onde derivou o nosso J. Essa brincadeira tem 24 zeros.

É muito zero! Acima disso, temos o xona (X), o weka (W) e o vunda (V). É até engraçado: vundabyte não se parece com wunderbar (maravilhoso em alemão)?

Mas acho que estamos muito longe dos vundabytes. Encontrei via Google um sujeito dizendo que todas as palavras já pronunciadas em todas as línguas desde que o mundo é mundo ocupariam apenas 5 exabytes. Do uga-uga ao wunderbar, contando, é claro, com a nossa exclusiva saudade.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Pragas da língua

Acreditem, há muitas.

Talvez sejam elas as responsáveis por tornar nossa língua tão... estimulante!

Uma delas é a confusão com parônimos.

Nada de nome feio! Parônimos são palavras com som igual que têm significados diferentes.

Uma dupla das mais céleres e célebres é iminência/eminência.

Como distingui-las?

Mole. Iminência significa o que está prestes a acontecer. Por isso, vale a dica abaixo:

- Ih! Aquele avião vai cair!
- Ah! Então ele está na ih!minência de um acidente.

Já uma eminência é alguém importante, respeitado, como um bispo.

Uma curiosidade

Muitos dos erros no livro das princesas da Disney sugerem, com boa vontade, uma defasagem por parte de quem o escreveu ou traduziu, sei lá.

Há milênios, escrevíamos sòzinho. Esse acento indicava o modo como deveríamos pronunciá-lo: só-zi-nho, e não sô-zi-nho.

Esses acentos foram caindo ao longo do século passado, com decretos que reorganizavam nosso idioma. Muitos foram derrubados em 1971.

De onde a gente conclui que, se um livro tem a modernidade de contar com uma caixinha de música, não poderia conter grafias do século passado, dentre outros absurdos.

Conto-do-vigário-de-fadas

Foi notícia esta semana o crime contra o nosso idioma cometido pela publicação do 'livro' Tesouro Musical Mágico: Princesas, com a 'chancela' da Disney.

Na boa? Eu contei, só de erros, mais de 80. Não levei em consideração outros graves problemas, como os atropelos na hora de espremer as histórias, a péssima redação — fruto provável de uma tradução equivocada do inglês — e a interminável repetição de palavras.

Todos esses 80 erros entrariam numa categoria chamada 'gato com J', ou seja, erros tão crassos que agridiriam os olhos como uma ponta de faca.

O livrinho, que traz como 'bônus' uma caixinha de música, mutila seis clássicos de Walt Disney, todos com histórias açucaradas de princesas, bruxas e afins.

Vírgulas no lugar errado, acentos desnecessários, regências ignoradas e crimes ortográficos infestam as 40 páginas do livro. Exemplos?

"Mas Branca de Neve continuava sendo alegre, e cantava com frequência..."
"Quando o príncipe e Branca de Neve se conheceram, se apaixonaram instantâneamente".
"Rápidamente pôs o vestido..."
"Cada uma das fadas presentearam..."
"Em uma das arriscadas viajens de Ariel até a superfície, nadou ao lado de um barco..."
"Sebastião, o carangueijo guardião..."
"Ele não queria ver sua filha sob o contrôle da Úrsula, então se ofereceu em troca. Uma vez que Tritão se tornou da Úrsula..."
"E por fim, Ariel fêz parte do mundo do Eric".
"Ela podia escapar da monotonía do dia-a-dia".
"E fugiu deixando Maurice sózinho e perdido".
"Porém, haviam certas coisas..."

Escrever para crianças é muito mais difícil que escrever para adultos. Os autores precisam ter a sensibilidade de não subestimá-las nem de publicar em sânscrito, por exemplo. Mas a regra número um, ao meu ver, é não errar. E essa norma vale para literatura e para livro didático.

Ninguém quer uma ditadura da Norma Culta, e acho errado blindar as crianças das informalidades da língua. Retomo o propósito deste blog: venerar o português, mostrar o valor de falá-lo e escrevê-lo corretamente, mas sem traumas.

É motivo de preocupação, porém, quando se contam inúmeros erros básicos numa obra de grande apelo, que deveria ser referência para educadores.

O que mais me espanta é que, no expediente, consta que houve uma revisão.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Tá dominado!

Muita gente não sabe, mas tem uma pá de grandes obras de nosso acervo disponível na Internet.

Este blog vai pegar frases de algumas dessas obras. Quem quiser ler mais encontrará o link para baixar o texto completo. Muitas vezes vocês precisarão do Acrobat Reader.

Começamos com o bruxo.


Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.


Machado de Assis: A cartomante.

Efeito-caneca

Vira e mexe vocês encontrarão este termo neste blog.

É uma saída criativa ou uma alternativa cafajeste para aquelas dúvidas fatais.

Resumidamente, é assim:

- Xícara é com X ou CH?

- Não sei. Escreve caneca!

Viram? Este é o efeito-caneca.

Ainda que não seja lá muito honroso, esse esquema muitas vezes nos salva de muitas sinucas-de-bico. Vocês certamente já titubearam na grafia de algumas palavras ou não souberam usar a concordância no meio de uma frase comprida. Não tenham medo de improvisar!

Um blog de Português!?

Pode parecer, a princípio, um contra-senso.

Mas eu juro que não é: por mais que se diga que a Norma Culta passe longe da Internet, que ninguém em sã consciência vá se preocupar em escrever e falar direito em bate-papos, blogs, podcasts e o que mais surgir, sem nosso idioma a rede furaria.

Para começar, vamos esquecer esse negócio de 'Norma Culta'. É chato. Não é difícil confessar torcer o nariz diante dela. Traz consigo aquelas regras da gramática, aquela decoreba de separação de sílaba, a redação de vestibular em que não se pode cometer um deslize.

Fazer pouco da 'Norma Culta', porém, não quer dizer que este blog vá esculachar a língua. Não! Pelo contrário. Esqueçamos os paladares exóticos como o blablablá telegráfico de MSN e afins. Aqui vai ter arroz-com-feijão. O idioma no seu cotidiano, no uso corriqueiro, mas bem-aprumado. E sem chateações!

Espero, ao longo dos dias, fazer do Português um tema interessante. Para isso, não vamos perder tempo com regras, normas e exceções. Aqui vai ter tira-dúvidas? Vai. Vai ter discussão sobre polêmicas? Quem sabe!

Vai ter crucificação de gente que maltrata o idioma? Não. Não porque nosso idioma é difícil, é complicado, é cheio de detalhes cuja maioria eu desconheço. Em vez de apontar os erros, por que não mostrar as soluções?

Esse é o desafio.

Ah, vamos combinar. Norma Culta, ainda que a respeitemos, é o cacete. De agora em diante, é Alto e Bom Português.

Alto porque nossa língua é linda e deve ter o devido destaque; Bom porque deve ser correto, direito, sem vícios.

Estamos conversados?