sábado, 15 de março de 2008

Soletrando dois-em-um

Minha preguiça me impediu de escrever sobre o Soletrando da semana passada.

Como tomei vergonha na cara, aproveito agora para falar das duas últimas eliminatórias.

Semana passada, uma menina esbarrou num ressucitar. Muita gente ainda tem dúvidas sobre onde tem sc e onde não tem. De todo o caso, é uma palavra comum, ainda mais em tempos de Páscoa. A menina vacilou.

Pela palavra que desclassificou a segunda menina, dá para imaginar até onde a peleja foi: septifoliolado. Hein? Quando a ouvi, não tinha a menor idéia do que significava. A garota grafou com C e levou bomba. Eu ia grafar com S, mas não de sete, como ensina o dicionário, mas sim de séptico. Não tem nada a ver. Esse palavrão vem da botânica e se aplica às folhas que têm sete 'gominhos'.

Hoje a briga foi boa, garanto. Deu um dó danado quando a menina gaúcha, uma graça, por sinal, tascou alemanzinhos. Foi uma pegadinha: plural de diminutivo derruba os iniciantes. É quase uma expressão matemática. Alemão, alemães; alemãozinho, alemãezinhos. A única forma de diminutivo no plural ir com S é quando a palavra já o tiver, como lapisinho, paisinho.

Daí travou-se um duelo entre Pernambuco e Bahia que teve direito até a subsidiária e vicissitude. Nessa, eu parei: é primeiro com SS? Tem SC? O problema se dá porque essas palavras, mesmo entre nós, redatores, são muito raras. Pois não é que a menina acertou de cara? Fui atrás do dicionário. Vicissitude é uma sucessão de mudanças. Crei uma dica para não errar mais: é o vício de mudar. Vício é com C; logo, vicissitude também.

Se a palavra acima não me é comum, a que derrubou a pernambucana vira e mexe me aparece: pára-choques. Sabem como é, acidentes eu tenho todo dia no jornal. A menina acertou o mais difícil — o acento —, mas errou no hífen. Pôs párachoques. E parou por aí.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Bem-me-quer...

Eu tenho uma fórmula infalível para as confusões entre bem/bom/mal/mau!

É normal trocar um pelo outro. Afinal, ninguém tem a obrigação de saber quem é advérbio, quem é adjetivo. Aliás, desconhecer o que é advérbio não é crime, vamos combinar!

Vamos ao que interessa. A dica é sempre pegar o caminho do bem. Se você tem dúvida entre mal e mau, pense no contrário: os bons sempre vão fazer a diferença.

- Aquele sujeito não presta. Sempre quer levar os outros para o (*) caminho.

E aí? Mal ou mau?

Pegue o caminho do bem. Seria o bem caminho ou o bom caminho?

Outra:

- Caraca, hoje eu estou um trapo. Acordei me sentindo (*) à beça.

O que eu quis dizer com essa brincadeira? É muito mais fácil você identificar entre bom e bem o que soa melhor; nossos ouvidos dirão. Daí, é só se lembrar dessa regrinha:

Mau - O u é quase um o. Então, o contrário de mau é bom.

Mal - O l é comprido como um e. Então, o contrário de mal é bem.

Entendido?

Pegadinha malcriada

Confesso que titubeio em relação a palavras que começam com mal-. Têm hífen? São coladas? O jeito é ir ao dicionário.

Contribui para essa dúvida uma pegadinha danada. Malcriado, por exemplo. É o indivíduo que faz muita... malcriação?

Pois nem toda a peraltice do mundo há de fazer uma coisa dessas. O correto, segundo os alfarrabistas, é má-criação.

E vocês verão que faz sentido. Qual o contrário de malcriado? Bem criado. Mas não existe bem criação, existe boa criação.

Querem ficar ainda mais confusos? O dicionário registra malcriadez. Não, as regras não foram mandadas às favas. Isso daí é uma derivação própria...

quarta-feira, 12 de março de 2008

Nada haver ou nada a ver?

Já vi muita gente escrever chagas do tipo:

- Uma coisa não tem nada haver com a outra.

Sim, é uma chaga, mas não vamos crucificar ninguém por causa disso. Há uma lógica para o erro: haver está freqüentemente associado a existir. Daí, a pessoa acha que uma coisa não coexiste com a outra e manda esse Gato com J.

Não, nada a ver é uma expressão. Significa ter relação, ter vista com.

Mas nada haver é errado?

Em Portugal, onde haver também é sinônimo de receber — daí deriva haveres —, se fala ter a haver. Donde a gente chega a nada a haver como sinônimo de nada a receber.

Parônimos inúteis

E por falar em escangalhado, palavra que consta da minhas preferidas, acabei de descobrir que ela tem um parônimo.

Escangalhar é quebrar, causar desarranjo. Sei lá, soa mais simpático que avariar. Acho que escangalhar sempre está associado às artes de um menino malcriado.

Escanganhar não tem nada a ver. É o ato de retirar as uvas da haste. Daí deriva uma escanganhadeira. Lindo, não é?

Outra da Itália

As línguas latinas se parecem, mas nem tanto.

A gente, dentro da nossa ignorância, acha que sabe traduzir livremente por aí as palavras só porque acredita que não há diferenças gritantes.

Este caso não se trata de uma diferença gritante, mas é engraçado.

No orelhão, minha mãe penou para conseguir fazer uma ligação — talvez porque, à época, estávamos acostumados a telefones públicos menos modernos. Na terceira tentativa vã, ao pôr o fone no gancho, ela viu no visor algo como scanciare, scangliare, eu sei lá. Quem souber italiano por favor me ajude. Mas aí ela perguntou:

- Scanciare é escangalhado?

Não, não era. Por intuição, essa palavra significava tire do gancho. Não estava escangalhado.

Noiva-cadáver

Essa é velha. Diria que é tão ou mais anciã quanto a confusão envolvendo bicha/fila em Portugal.

Uma vez, na Itália, vendo um comercial de TV, eu me surpreendi. Era um anúncio de um sabonete, não me lembro bem, mas era típico: tinha aquela moça recém-saída do banho, pele limpa, passando o tal produto. No fundo, a narração destoou:

- ...com'è mórbida...

Engraçadíssimo! Mórbido, em italiano, quer dizer macio. Fofo igual à noiva-cadáver.

terça-feira, 11 de março de 2008

Iósceles

Foi o meu camarada Gustavo de Almeida quem percebeu o escorregão. Sim! Confesso o crime!

Eu jurava que isósceles não tinha o primeiro S. Será que meu livro de Matemática estava errado? Será que o detalhe me escapou? O próprio Sérgio Nogueira admitiu que a raiz iso- é traiçoeira, que não há uma regra clara sobre quando temos o SC.


Isso me faz lembrar um velho teste de percepção. Está em inglês, mas quem não sabe a língua de Shakespeare também pode fazer. Quantas letras F há na frase abaixo?

FINISHED FILES ARE THE RE
SULT OF YEARS OF SCIENTI
FIC STUDY COMBINED WITH
THE EXPERIENCE OF YEARS...

Três? Não, seis. Já provaram que o F em of não é, digamos, percebido.

Pois eu não percebi que o primeiro S de isósceles faz muita falta, ao contrário do segundo.

Em tempo: a folga de uma semana foi involuntária. Retomarei os trabalhos e aguardo a visita de vocês.